Da adultização infanto-juvenil e o dever geral de cuidado
- Adv. Márcia Bohrer
- 1 de set.
- 8 min de leitura
"Um novo desafio ao Direito de Família tem se observado, diante do fenômeno atual da adultização infanto-juvenil, quando crianças e adolescentes são tratados como adultos ou expostos a situações inadequadas para sua idade; assumem responsabilidades que deveriam ser de adultos; são hipersexualizados por meio da mídia, moda, das redes sociais e sofrem pressões para amadurecer emocionalmente antes do tempo.
Destacam-se os casos de sexualização e exposição indevida de crianças e de adolescentes no ambiente online, o que vem exigir uma avançada normatividade de proteção. A adultização representa uma violação dos direitos de desenvolvimento integral, garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e por normativas internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
A seu turno, o dever geral de cuidado é um princípio jurídico e ético que obriga todos os responsáveis, especialmente os pais, cuidadores, Estado e sociedade, a zelar pela integridade física, psicológica, moral e social das crianças e adolescentes. O dever de cuidado exige que: 1) crianças sejam protegidas contra as pressões indevidas; 2) os seus direitos à educação, lazer e saúde sejam assegurados; 3) os meios de comunicação e a publicidade respeitem os limites etários; e 4) a família receba suporte para cumprir sua função protetiva e educativa.
A regulamentação das redes sociais revela a necessidade de o dever de cuidado também ser atribuído às plataformas digitais, obrigando que assumam medidas de proteção em face de conteúdos sensíveis, atuando para a remoção deles. No caso, independentemente de decisões judiciais a respeito.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet, ampliando as possibilidades de remoção de conteúdos prejudiciais.
Dois novos projetos legislativos, sobre a adultização, tramitam no Congresso, e reclamam regime de urgência para as suas aprovações. São destacados por tratarem sobre o “dever de cuidado” das plataformas digitais e da criação de uma Política Nacional de Conscientização e Combate à Adultização Infanto-Juvenil, face o multifacetado problema sob seus diversos aspectos.
A questão posta ganhou repercussão pública, com o vídeo postado pelo influenciador digital paranaense Felipe Bressanim Pereira (Felca), que denunciou e expôs práticas preocupantes de alguns influenciadores, com a exploração de crianças e adolescentes no ambiente digital. Seu vídeo, com mais de 40 milhões de visualizações, é um ingente chamado de consciência social e de responsabilização adequada inadiáveis.
Enquanto isso, programa-se audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, com a ouvida dos representantes das plataformas; e na próxima quarta-feira (20/8), instala-se um grupo de trabalho no plenário da Câmara dos Deputados, no trato civilizatório do grave problema que se exige sanado a curto prazo.
É indispensável que se compreenda e se apure a(s) realidade(s) de uma violação massiva e reiterada a direitos fundamentais, notadamente diante da ausência e da ineficiência de respostas legislativas e governamentais a esses direitos. Nessa toada, aliás, uma análise crítica, reflexiva e oportuna é empreendida na recente obra Tutela Estrutural, do jurista Luiz Guilherme Marinoni (RT, 3/2025), recomendada por todos os seus méritos.
De efeito, situam-se inadiáveis apurações, entre elas a da violação à tutela integral de proteção infanto-juvenil, diante dos conteúdos prejudiciais veiculados em mídias sociais.
Discorrendo sobre a adultização infantil, suas causas, impactos e como proteger as crianças, Adriele Oliveira ponderou, dia 13 último:
“Na era digital, esse processo tem se intensificado, especialmente com a popularização das redes sociais, onde muitos menores de idade são expostos a conteúdos sexualizados ou assumem papéis adultos para se destacar em plataformas como Instagram, TikTok e YouTube” [1].
Projetos de lei
Diante da denúncia do influenciador Felipe Bressani, demonstrando “como as imagens de crianças e adolescentes estão alimentando a pedofilia”, 32 projetos de lei foram protocolados, na segunda e terça-feira passadas (11 e 12/8), com propostas que incluem:
1) a proibição da monetização de vídeos com menores de idade; 2) a criminalização da adultização digital, tratando-a como forma de violência psicológica; 3) a responsabilização de pais e responsáveis pela exposição de seus filhos a conteúdos inadequados; e 4) o agravamento das penas para a produção e divulgação de conteúdos com conotação sexual, mesmo sem nudez explícita.
O exauriente rol das propostas fortalece as políticas públicas e a ordem jurídica para o enfrentamento da adultização infanto-juvenil. Vejamos, um a um, os projetos apresentados, com seus autores:
PL 3.890/25 — Ruy Carneiro (Pode-PB): Proíbe a monetização e a inclusão em algoritmos de conteúdos produzidos por crianças e adolescentes em plataformas digitais e regulamenta as hipóteses autorizadas de atuação artística profissional de menores em ambiente digital.
PL 3.889/25 — Nikolas Ferreira (PL-MG): Dispõe sobre a prevenção e o combate à exposição indevida, adultização, exploração sexual e outros crimes contra crianças e adolescentes na internet.
PL 3.886/25 — Tabata Amaral (PSB-SP): Proíbe a monetização de conteúdos digitais com a participação de crianças e adolescentes.
PL 3.885/25 — Filipe Martins (PL-TO): Estabelece deveres, obrigações e penalidades às plataformas digitais na prevenção e repressão à adultização e exploração sexualizada de crianças e adolescentes.
PL 3.884/25 — Filipe Martins (PL-TO): Tipifica a exploração digital de crianças e adolescentes por pais, responsáveis legais, tutores ou quaisquer maiores de idade, e estabelece medidas protetivas e administrativas no ECA.
PL 3.881/25 — Felipe Carreras (PSB-PE): Dispõe sobre conteúdos de abuso sexual infantil e pedofilia nas redes sociais.
PL 3.880/25 — Erika Kokay (PT-DF): Criminaliza a produção e a divulgação de conteúdo que incite ou estimule criança ou adolescente à prática de ato que possa causar dano a sua integridade física e estabelece ações preventivas sobre o tema.
PL 3.878/25 — Coronel Fernanda (PL-MT): Regulamenta a criminalização da adultização infantil na internet.
PL 3.877/25 — Airton Faleiro (PT-PA): Estabelece medidas de prevenção e combate à adultização de crianças e adolescentes no Brasil e define diretrizes para a publicidade, conteúdos midiáticos, ambientes escolares e eventos.
PL 3.876/25 — Ismael (PSD-SC): Dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes contra superexposição digital e exploração econômica em ambientes digitais.
PL 3.875/25 — Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG): Inclui expressamente a tipificação das condutas de exploração sexual implícita, exposição sexualizada e adultização forçada de crianças e adolescentes em plataformas digitais, ampliando o conceito para além das condutas explícitas atualmente previstas.
PL 3.867/25 — Talíria Petrone (PSOL-RJ): Dispõe sobre a participação de crianças e adolescentes na produção e monetização de conteúdo digital, define regras para o trabalho infantil artístico em ambiente online e estabelece obrigações para plataformas digitais, vendando a exposição corporal com potencial de exploração sexual.
PL 3.861/25 — Andreia Siqueira (MDB-PA): Criminaliza a disponibilização, por meio digital, de links ou recursos eletrônicos que direcionem a conteúdo de pornografia infantil ou a grupos destinados à sua divulgação.
PL 3.859/25 — Célio Studart (PSD-CE) e Prof. Reginaldo Veras (PV-DF): Tipifica o crime de adultização e erotização digital de criança ou adolescente.
PL 3.856/25 — Cleber Verde (MDB-MA): Reconhece a adultização precoce como forma de violência psicológica e estabelecer medidas de prevenção.
PL 3.854/25 — Rogéria Santos (Republicanos-BA): Agrava as penas e tipifica a conduta de produção, publicação ou facilitação da circulação de conteúdo sexualizado envolvendo crianças e adolescentes, mesmo sem nudez explícita, quando houver conotação sexual.
PL 3.852/25 — Marx Beltrão (PP-AL): Institui a Lei Felca, que dispõe sobre medidas de prevenção, proibição e criminalização da adultização e sexualização infantil na internet.
PL 3.851/25 — Capitão Alden (PL-BA): Estabelece medidas para prevenir, identificar, combater e punir práticas de adultização precoce, disseminação de pornografia infantil e atos de pedofilia em ambientes digitais.
PL 3.850/25 — Cabo Gilberto Silva (PL-PB): Inclui o crime de sexualização digital ou impressa de criança ou adolescente, para condutas que promovam ou retratem menores de forma sexualmente sugestiva ou induzam a práticas libidinosas.
PL 3.849/25 — Roberto Monteiro Pai (PL-RJ): Aumenta a pena do crime de aliciamento para a prática de ato libidinoso, além de ampliar o seu âmbito de aplicação.
PL 3.848/2025 — Yandra Moura (União-SE): Dispõe sobre a criminalização e responsabilização civil e penal de condutas que envolvam a sexualização ou adultização de crianças e adolescentes em conteúdos audiovisuais e estabelece medidas para bloqueio de algoritmos e contas que promovam ou busquem tais conteúdos nas plataformas digitais, nos termos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
PL 3.845/25 — Sergio Souza (MDB-PR): Estabelece regras sobre verificação de idade, controle parental e denúncia de conteúdo impróprio em redes sociais.
PL 3.842/25 — Dr. Zacharias Calil (União-GO): Estabelece obrigações de transparência e de avaliação de impacto algorítmico relativas a conteúdos que envolvam crianças e adolescentes.
PL 3.841/25 — Dr. Zacharias Calil (União-GO): Dispõe sobre a exploração digital com finalidade econômica e sobre a participação habitual de criança e adolescente em conteúdo monetizado, exigindo alvará judicial e estabelecendo regras de proteção, remuneração e fiscalização.
PL 3.840/25 — Dr. Zacharias Calil (União-GO): Tipifica o crime de adultização digital de criança ou adolescente.
PL 3.837/25 — Duarte Jr. (PSB-MA): Institui a Política Nacional de Conscientização e Combate à Adultização Infantil e dá outras providências.
PL 3.836/25 — Silvye Alves (União-GO): Criminaliza a adultização e a exploração de imagem de crianças e adolescentes com finalidade de lucro na internet.
PL 3.900/25 — Renata Abreu (Pode-SP): Dispõe sobre a prevenção, proibição e punição da adultização e erotização de crianças e adolescentes em ambientes digitais e audiovisuais, estabelece obrigações às plataformas digitais e demais responsáveis, e dá outras providências.
PL 3.899/25 — Mário Heringer (PDT-MG): Tipifica a criminalização da adultização e erotização infantil na internet.
PL 3.898/25 — Sâmia Bomfim (PSOL-SP): Proíbe a monetização direta ou indireta de conteúdo digital ou audiovisual, veiculado em plataformas de redes sociais ou quaisquer outros meios de comunicação na internet, que tenha como tema central a imagem ou a participação de crianças e adolescentes.
PL 3.894/25 – Daniela do Waguinho (União-RJ): Institui o Botão de Alerta Infantil nas plataformas digitais para denúncia e retirada preventiva de conteúdos com indícios de exposição abusiva ou sexualização de crianças e adolescentes.
PL 3.891/25 — Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP): Dispõe sobre a responsabilização pessoal dos representantes legais, em território nacional, por provedores de aplicações de internet em relação a conteúdos que promovem a ‘adultização’ infantil e a pedofilia.
Ainda na segunda-feira (11/8), o deputado Jadyel Alencar apresentou o relatório do Projeto de Lei 2.628/2022, oriundo do Senado Federal [2], que cuida da proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais e se encontra submetido à revisão da Câmara dos Deputados. Ele o considera como o mais importante de todos os projetos em tramitação [3].
Conclusão
Observada a relevância jurídica de todas as propostas sob o eixo central da tutela estrutural de proteção das crianças e dos adolescentes, os projetos reclamam uma absoluta prioridade na pauta de votações.
A tanto, deveria ser de logo constituída uma comissão especial técnica e interdisciplinar, integrada por instituições representativas da sociedade civil e por reconhecidos juristas que otimize, com desempenho qualitativo, os trabalhos legislativos.
Demais disso, uma verificação etária para uso de plataformas na internet, com acesso a sites restritos, há de exigir o implemento de tecnologias mais avançadas, não se podendo tolerar que o acesso seja feito, simplesmente, por autodeclaração de idade pelo usuário. A responsabilização das plataformas pela circulação de conteúdos indevidos também é um elemento decisor para o real e efetivo enfrentamento do problema.
Nessa diretiva, acentua-se a previsão de aplicativos que tenham mais de um milhão de usuários crianças e adolescentes devam elaborar relatórios semestrais sobre as denúncias recebidas e o tratamento dado a elas. E mais ainda: deverão reter dados associados a esses relatórios, como 1) o conteúdo gerado, carregado ou compartilhado por qualquer usuário mencionado no relatório ou então os dados relacionados ao conteúdo específico; e 2) as informações do usuário responsável pelo conteúdo ou a ele relacionadas [4].
Induvidosas as urgências de uma Política Nacional de Conscientização e Combate a Adultização Infanto-juvenil, como objetiva o PL 3.837/25, a de elidir a sexualização precoce e a de fomentar o controle parental em proteção da infância, tenha-se, a seu turno, também urgentes as políticas estaduais.
Nesse sentido, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), colocou-se pioneira, tendo sido já apresentado 11 projetos de lei para combater a adultização de crianças nas redes sociais e estabelecer políticas públicas que a impeçam, inclusive, a erotização infantil.
Quando a infância não pode ser subtraída do seu tempo próprio e à sociedade atual cumpre defender a sua próxima geração de adultos, no tempo futuro reservado a eles, resulta um aviso impostergável: a criança é o pai do homem. Axioma de sobrevivência da própria sociedade agônica que hoje testemunhamos, a partir da indução de crianças a um comportamento “adultizado” e erotizado."
[1] OLIVEIRA, Adriele. Web: https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/noticias/adultizacao-infantil-causas-impactos-e-como-proteger-as-criancas
[2] Web: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2837130&filename=Tramitacao-PL%202628/2022
[3] Câmara dos Deputados, 13.08.25. Web https://www.camara.leg.br/noticias/1188300-ENTIDADES-PEDEM-APROVACAO-DE-PROJETO-DO-SENADO-SOBRE-PROTECAO-DE-CRIANCAS-EM-AMBIENTES-DIGITAIS
[4] https://www.camara.leg.br/noticias/1180595-projeto-preve-protecao-de-criancas-e-adolescentes-em-ambientes-digitais
Fonte: site Conjur. Escrito por Jones Figueirêdo Alves e publicado em 17 de agosto de 2025. Acesse texto original aqui.
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